17 de abr. de 2011

Quando alguém trabalha em prisões, presencia as mais desumanas tragédias. Em um dia normal de serviço encontrei um recorte no meio da imundice no chão. A letra engarrafada e borrada não por lágrimas, mas por suor, revelava uma realidade pouco comum. Dizia o papel:
            “Nas ruas todos me conhecem. Poucos me veem. Mas quando de minha boca saiu o que em minha mente me martirizava, fui condenado. Em suas casas sou o assunto. Na prisão o problema. No governo o prejuízo. Em seus corações o assassino. Na favela sou filho. Sou filho do tráfico. Não nego minha raiz. Sou filho da escravidão. Não nego minha cor. Sou filho do ódio. Não nego sua opinião. Sou quase tudo. Órfão, negro, mendigo, ladrão. Sou o alvo das acusações. Sou igual a você. Aprendi com a falsidade a blefar ser branco, a mentir ser inteligente, a forçar meu interesse pela porcaria que vocês chamam de moda fashion.
Fui condenado a ser branco.
Serei julgado por revelar.
Serei apontado como covarde.
Sou excluído porque meus olhos brilham mais que ouro.
Mas espécie nativa da terra, antes que vocês se matem, libertem-se suas mentes dessas algemas de diamantes e seus corações desses corantes desgraçados.
Caros vizinhos entendam como quiser meus gritos. Mas TIREM SUAS MÃOS DE MIM.”
Quando trabalhamos em uma prisão domestica de patrões da alta sociedade, nada é anormal. Principalmente uma carta escrita por uma criança que perdeu sua infância presa pelos fios da TV. Presa pelos olhares críticos e pelos palpites de invejosos. E principalmente criada e educada por modelos ocos revestidos por pele humana. Seres movidos à álcool. Álcool engarrafado e pasteurizado, comercializado com a logomarca do ânimo. Ânimo. Tudo mentira. Tudo uma farsa. Uma realidade, ou melhor, um pesadelo. Por favor, acordem, antes que durmam para sempre.
SEM FELICIDADE. SEM SEMPRE.

2 comentários:

Hoje a madrugada está proporcionando o clima adequado para uma entrega inteira aos meus devaneios, aos meus cadernos e as minhas cifras....